café comigo #06
sobre tempo & culpa
todo final de ano é a mesma coisa. chega aquela abençoada semana entre natal e ano novo, quando o caos de festas & presentes & compromissos já passou e o que sobra é apenas uma agenda milagrosamente vazia pra fazer vários nadas [os carteira assinada se emocionam só de pensar].
lembro de ansiar meses por esses dias de vários nadas. fazia planos de passar o dia de pijama, acordar sem despertador, deixar o celular no modo avião, deletar o whatsapp. era tão descolado da realidade que parecia sonho mesmo, tipo voar de executiva, sabe?
mas como diria o pensador de boteco, “aí é que tá”: sempre que esse tão sonhado período chegava, a sensação que eu tinha era diferente daquela que eu imaginava que sentiria.
os primeiros dias eram legais, claro, como um final de semana prolongado, pra recuperar o carisma deixado nos 5.248 eventos de dezembro. mas lá pelo 4º dia algo começava a me incomodar. uma paz terrível, como dizem.
há uma semana, saí de um emprego. é a primeira vez em 17 anos que eu não tenho uma data pra voltar a usar um crachá.
e mesmo tendo sido uma transição tranquila e que tomou o tempo necessário, hoje eu sinto aquela mesma sensação das férias entre natal e ano novo.
é como se eu não conseguisse relaxar. como se eu não me permitisse me divertir e aproveitar, sabe?
a sensação que eu tenho é a de que fui programada pra produzir, entregar, resolver coisas. e sem fazer isso, é como se eu perdesse meu sentido.
claro que tem muito da construção da sociedade aí, da gente medir nosso valor pela performance e tal [recomendo “a “sociedade do cansaço”, pra quem gosta do assunto], então tenho criado táticas. listo coisas que quero fazer e nunca tive tempo, pesquiso cursos, cuido de mim, do meu espaço…
mas a culpa tá sempre ali, como se dissesse “amada, quem você pensa que é?!”
pra acordar sem despertador.
pra passar o dia escolhendo o que fazer.
pra viver a vida que planejei - ainda que seja por tempo limitado.
é como um olhar julgador acima de mim, me apequenando, curvando meus ombros.
percebo ele.
olho nos olhos.
e observo ele se tornando cada vez menor, até caber na palma da mão.
coloco o agora pequeno monstrinho no bolso.
não faço ideia de como será o futuro, mas vou. lembrando de ajustar o olhar e de ser o máximo possível de mim mesma a cada passo.

Camila,
Hoje cedo por coincidência estava escutando um podcast do Drauzio Varella falando daquela tristeza que você sente no final do ano, e aquela sensação do vazio do final do ano, sabe?!
Há praticamente um ano passei pela mesma coisa que você, meu ultimo dia trabalho foi 31 de março de 2022, pedi demissão porque eu estava me sentindo muito amargurada, e já havia passado por coisas horríveis no trabalho.
No meu caso, foi quase uma necessidade, eu me sentia uma bomba relógio que poderia explodir a cada dia.
Pedi demissão sem eira nem beira (mentira), claro eu havia feito um planejamento milenar como você hahahaha
Só voltei a trabalhar dia 11 de Julho de 2022 no clt tudo bonitinho outra vez.
Foi fácil? foi não!
Chorei muito e ainda mais no meu caso que eu estava pedindo demissão por causa de tantas coisas ruins que havia passado, então foi um período de cura interna mesmo.
Durante o meu período de mini sabático, da qual eu tinha estipulado um prazo de 5 meses e fiquei só 3 (a nossa cara), somos muitos virginianas (você é né) pra conseguir ficar em casa “sem fazer nada.”
Aproveitei os meus dias sabáticos, fazendo exercícios físicos, lendo, curtindo os dias em paz e sem compromissos e posso te afirmar que me sentia a pessoa mais fútil do planeta terra por estar assistindo novela no vale a pena ver de novo as duas da tarde!
De lá pra cá muita coisa aconteceu...
Hoje se pudesse voltar atras, eu faria de novo, mas eu seria mais gentil comigo mesma, e aceitariam a minha falta do que fazer com mais leveza.
Te desejo tudo de lindo na sua trajetória e seja sempre gentil com você.